No dia 31 de outubro de 2023, foi aprovada a Lei no 14.711 que, entre outras alterações, alterou o Decreto-Lei no 73/1966 para excluir a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) da composição do Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP), órgão encarregado de estabelecer as diretrizes e normas da política de seguros e de regular o funcionamento do sistema nacional de seguros privados.
No âmbito do Projeto de Lei nº 4188/2021, de autoria do Poder Executivo, que originou a Lei nº 14.711/2023, a fundamentação apresentada para a alteração da composição do órgão se apoiou em uma racionalização administrativa, apontando para uma sobreposição mínima entre as funções da CVM e do CNSP. Este argumento sugere que a presença da CVM no conselho poderia não ser necessária, e que qualquer colaboração necessária para tratar de interseções no mercado securitário poderia ser conduzida através de convênios e comitês conjuntos com a Superintendência de Seguros Privados (SUSEP), visando um modelo de governança mais enxuto e focado.
Em um primeiro olhar, tal medida pode parecer uma decisão pragmática, removendo camadas de burocracia potencialmente redundantes e, por extensão, promovendo uma execução mais eficiente das competências de cada autarquia. Contudo, é preciso ter cautela para avaliar se a eficiência administrativa não seria suficiente para suprir a necessidade de expertise técnica e de uma visão mais ampla dos mercados de capitais e de seguros, especialmente em um cenário em que a securitização de direitos creditórios está se tornando cada vez mais frequente, como é demonstrado pela Lei no 14.430 de 2022, denominada "Marco Legal da Securitização".
Isso se deve ao fato de que, no intervalo entre a aprovação do PL no 4188/2021 nas Casas Legislativas e a sua conversão em Lei, a Lei no 14.430/2022, que foi convertida na Medida Provisória no 1.103/2022, que, entre outras importantes alterações no mercado de seguros, dispõe sobre as Sociedades Seguradora de Propósito Específico (SSPE) e a emissão de Letra de Risco de Seguro (LRS)
Sem adentrar nas minúcias do Marco Legal da Securitização, a leitura do texto da Lei denota com clareza o fortalecimento da importância da CVM no mercado de seguros ao introduzir regulamentações sobre a emissão da LRS pelas SSPE, reforçada pela regulamentação editada pelo CNSP por meio da Resolução nº 453/2022. Estas leis e normas infralegais montam um contexto de competências complementares para o funcionamento das novas dinâmicas inseridas no mercado de seguros, salientando a necessidade da coordenação e cooperação entre os órgãos reguladores competentes.
Por esta razão, a revogação da participação da CVM no CNSP também pode ser vista sob um prisma contraditório, onde, apesar do aumento de suas responsabilidades regulatórias, sua influência direta no conselho regulador de seguros é diminuída.
Desta forma, em que pese a sanção da Lei nº 14.711/2023 tenha concretizado a exclusão da CVM da composição do CNSP, um segundo olhar sobre a alteração legislativa recai sobre seu potencial revés diante da perda de um órgão altamente especializado em proteger investidores e manter a integridade do mercado de capitais. Além disso, mesmo que convênios e comitês mantidos entre a SUSEP e a CVM possam servir como substitutos funcionais para a colaboração direta, eles podem não ser tão eficazes quanto a participação plena da Comissão de Valores Mobiliários no conselho, dada a complexidade e a importância das questões envolvidas. Entretanto, espera-se que a coordenação e colaboração entre SUSEP e CVM, inclusive entre CNSP e Conselho Monetário Nacional (CMN) - também abrangido no complexo legislativo que impõe coordenação entre os órgãos reguladores - se dê de forma eficiente e dinâmica, respeitadas as suas respetivas competências.
Neste sentido, como um terceiro olhar, a mudança pode ser interpretada como um passo em direção a uma separação mais distinta entre a supervisão dos mercados de seguros e de valores mobiliários no Brasil. Isso reflete uma escolha estratégica que visa a otimização do desempenho regulatório através da especialização e foco. A eficácia dessa abordagem dependerá da capacidade de manter a comunicação e a coordenação entre os colegiados reguladores e as respectivas autarquias fiscalizadoras, garantindo que a regulação do mercado de seguros permaneça robusta, ágil e adaptável às rápidas mudanças da economia digital.
Oportunidades
A harmonização regulatória entre a SUSEP e a CVM abre um leque de oportunidades para as Sociedades Seguradoras de Propósito Específico (SSPEs) no cenário atual do mercado de seguros. Com a capacidade de emitir Letras de Risco de Seguro (LRS), as SSPEs estão bem posicionadas para inovar em produtos de seguro, desenvolvendo soluções customizadas que atendem às necessidades específicas de segurança financeira dos consumidores e das empresas. Esta inovação é complementada pela possibilidade de acessar os mercados de capitais, o que não só diversifica as fontes de financiamento para as seguradoras, mas também oferece aos investidores oportunidades para diversificar suas carteiras.
Diante do exposto, é certo que a coordenação e cooperação entre os órgãos reguladores e fiscalizadores do mercado de seguros e de capitais - inclusive do mercado financeiro - é a chave para a harmonia normativa e o sucesso das novas dinâmicas da economia moderna. Essa postura de coordenação regulatória, como demonstrado pela Resolução Conjunta no 5, de 20 de maio de 2022, elaborada pelo Banco Central do Brasil, SUSEP, Conselho Monetário Nacional e CNSP, reforça a importância dos órgãos envolvidos em aprimorar sua eficiência, respeitar suas competências legais e reduzir sobreposições regulatórias em prol de um objetivo comum, como, por exemplo, a interoperabilidade do Open Finance.
Assim, os efeitos da alteração legislativa poderão ser positivos desde que garantida a coordenação entre os órgãos reguladores e fiscalizadores responsáveis, imbuídos em seus papéis complementares para o desenvolvimento dos mercados, sobretudo na economia digital.
Priscila Figueiredo
Via Internet Insurance Consulting
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